UM // Boa noite, pessoas, o meu nome é João, João Real, e eu sou um repórter de investigação, e fui convidado para fazer esta espécie de reportagem barra comentário diário sobre coisas, o que acontece é que me dão um papel com alguma coisa escrita e eu depois vou e investigo sobre isso. Um trabalho bastante exigente. Ok, eu sou um jornalista, quer dizer não sou bem bem um jornalista, ainda, estou ainda a estudar para ser um jornalista, na escola de jornalismo, vou lá todos os dias, apanho o autocarro, hmm, tipo, não apanho o autocarro, espero que ele pare e abra a porta e depois entro, hmm, pago bilhete e... hmm, depois vou às aulas, sento-me lá com o meu bloco de notas, hmm, não é um bloco com notas, daquelas de ir ao supermercado comprar uma embalagem de clearasil, não, não é um montinho de notas de, vá, dez, não, vinte euros, todas coladas por um dos lados para depois irmos arrancando à medida que… até porque não há desses blocos de notas, já fui perguntar, há é daqueles blocos com folhas de papel com linhas ou então com quadrados, ou então sem nada e depois uma pessoa escreve lá coisas para não se esquecer, por exemplo, ah, cá está: ‘O sol nasce do lado da cozinha’, hmm, isto foi porque, um dia, eu decidi ficar acordado a noite toda para, tipo, investigar sobre o nascer do sol, as perguntas básicas, de onde é que ele vem?, para onde é que vai?, esse tipo de coisas, tipo, se ao nascer o sol já é amarelo ou se só fica amarelo a partir das, ehpá, oito da manhã, mais ou menos, hmm, e portanto fechei a porta do meu quarto, levei pacotes de bolachas lá para dentro, isto antes de fechar a porta porque, tipo, meter as bolachas dentro do quarto com a porta fechada não é fácil, ok?, podia, o quê?, esmigalhá-las e metê-las pela fechadura mas depois isso não tem muita piada para comer, não é?, e se as bolachas vêm inteiras nos pacotes, não é?, isto é, se a uma dada altura os senhores das fábricas que fazem as bolachas pensaram ‘ora vamos a fazer bolachas, mas assim coisas compactas, nada dessas migalhas, isso não tem jeito nenhum’, talvez se eles pensaram assim é porque as bolachas têm mais valor inteiras, não é?, mas também, e isto é o que eu acho, ainda não confirmei, mas acredito bastante nisto, hmm, nessa altura já muita gente devia ter começado a produzir migalhas em vez de bolachas, e um dia chegou lá o chefe da fábrica das bolachas e deve ter dito ‘mas o que é isto?’, e disseram-lhe a ele ‘são migalhas’, e disse o chefe ‘e isso tem algum jeito?’, e é por isso que, hoje em dia, no fundo dos pacotes de bolachas há migalhas, porque, acho eu, eles devem estar a tentar livrar-se delas aos bocadinhos, hmm… e bom, nesse dia eu fiquei acordado a noite toda, e eram já para aí dez da manhã quando já estava muita luz lá fora, mas nada de um círculo amarelo, e por isso desisti, e quando fui à cozinha tomar uma chávena de leite é que vi que do lado da cozinha sim, ali havia, e por isso esta nota aqui para um dia destes, tipo, ficar acordado mais uma noite para… ver, o sol. Mas as directas dão cabo de mim, um dia, antes disso do sol, decidi investigar o conceito de directa, tipo, o que é?, como é que funciona?, e só quando percebi que o conceito de directa consiste em não dormir a noite toda já eram horas de ir para a escola. Hmm, bem, eu não sou ainda jornalista, já fiz uma entrevista, uma vez, para um trabalho do curso, fiz uma entrevista à minha mãe, e então peguei no meu bloco de notas, depois peguei numa caneta, depois peguei noutra caneta para se a tinta da primeira caneta acabasse, depois peguei numa terceira caneta para se a tinta da primeira caneta acabasse e a tinta da segunda caneta também acabasse, e depois peguei num lápis, porque, tipo, os lápis não ficam sem tinta, depois achei que então era melhor levar só o lápis e pousei as canetas e portanto peguei no bloco de notas e no lápis, hmm, a minha mãe estava na cozinha, a fazer o jantar, ou então era o almoço, mas acho eu que era o jantar… era, porque eram seis da tarde, era isso, eu lembro-me porque antes tinha estado a ver um programa na televisão que dá das cinco às seis, a não ser que tivesse visto o programa e depois adormecido no sofá até às onze da manhã do dia seguinte, aí já seria o almoço, mas não, estou convencido que era o jantar, e cheguei à beira dela e disse, ‘boa noite, minha senhora, como é que se chama?’, hmm, e ela deu-me um estalo. Mas, tipo, foi o que o professor disse para dizer, tipo… a não ser que fosse um homem, porque se fosse um homem era… hmm, ah, cá está: ‘boa noite, meu senhor, como está?’, hmm, a não ser que fosse de dia, porque se fosse de dia era… hmm, não sei onde tenho isso agora. Bem, não há mais tempo hoje, amanhã mais, João Real, e alguma que seja preciso investigar, eu. //João Real//
segunda-feira, outubro 03, 2005
Convidaram-me, hmm, quer dizer, não me convidaram, apresentaram-me um valor em dinheiro e perguntaram 'queres fazer uma reportagem barra comentário diário?', hmm, e eu, tipo, disse que sim, por isso, a partir de hoje, a partir de agora já daqui a um bocadinho, a minha primeira reportagem barra comentário diário, tipo, sobre coisas. Até já. //João Real//